23/12/2021

Casa de Saúde Santa Izabel completa 90 anos

A unidade integra o Complexo de Reabilitação e Cuidados Integrados da Fhemig e serve de retaguarda para 13 municípios da microrregião 

Hoje (23/12), a Casa de Saúde Santa Izabel (CSSI), localizada em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte,  completa 90 anos desde que recebeu seu primeiro paciente. Na época, ainda conhecido como colônia, o local abrigava e tratava a população acometida pela hanseníase. Uma doença marcada por histórias tristes, atrelada a uma série de estigmas e preconceitos. 

Seu surgimento se deu após a implantação da política sanitária de tratamento da hanseníase no Brasil, que determinava a criação de colônias agrícolas, sanatórios, hospitais e asilos, nos quais  as pessoas diagnosticadas com hanseníase deveriam ser compulsoriamente internadas, mantendo-as distantes dos centros populacionais a fim de evitar uma contaminação em massa. 

Em 1978, um ano após a criação da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig),  que se tornou a administradora da instituição, o local passou então a se chamar Casa de Saúde Santa Izabel (CSSI). E, em 1980, foi permitido que os pacientes deixassem a unidade. No entanto, a maioria permaneceu interna, já que tinha consciência de que não seria aceita fora dos limites da colônia, devido ao grande preconceito em relação à doença. santa izabel antiga 5

Com o tempo, a unidade teve seu perfil assistencial modificado conforme as demandas de saúde pública local. Atualmente, a  CSSI integra o Complexo de Reabilitação e Cuidados Integrados da Fhemig, que além de cuidar dos pacientes ex-hansenianos, serve de retaguarda em Cuidados Prolongados às redes de Atenção à Saúde de Betim e para a rede de Urgência da microrregião, composta por 13 municípios, prestando assistência integral aos usuários. 

Além disso, os pacientes da Linha de Cuidado recebem assistência multidisciplinar, humanizada, composta por médicos, assistente social, psicólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, nutricionista e enfermeiros; com o objetivo de respeitar e estimular a autonomia e independência dos usuários. 

Para a diretora da CSSI, Eliane Daniele Teixeira Magalhães, é uma grande honra fazer parte deste marco histórico estando à frente da unidade. “A CSSI  ‘nasceu’ com a vocação de cuidar das pessoas acometidas pela hanseníase e, ao longo dessa trajetória, esteve empenhada em promover uma assistência humanizada e de qualidade, buscando desenvolver ações que promovam a autonomia e a independência dos usuários, pois reconhecemos o valor  inestimável de cada indivíduo. Hoje, comemorar os seus 90 anos nos dá a oportunidade de contemplar uma história de luta e superação construída pelas pessoas que aqui viveram, e que ainda vivem na região”, afirma.santa izabel antiga 2

Superação

A ex-paciente Eva Maria Dias do Nascimento é uma das que até hoje vive no local. Ela chegou à CSSI aos 15 anos, em julho de 1975, quando foi diagnosticada com hanseníase. “Eu morava em Montes Claros com meus pais e mais 11 irmãos. Até que apareceu uma mancha na minha perna, na qual eu não tinha nenhuma sensibilidade. Fui para Belo Horizonte, acompanhada da minha irmã mais velha, para fazer exames e, após 16 dias de internação, fui diagnosticada com a doença, que na época era conhecida como lepra. De lá segui para a colônia, em Betim, onde fui obrigada a ficar longe da minha família e encerrar meus estudos, já que tínhamos que permanecer isolados. Me lembro de sentir muita tristeza e não parar de chorar. Era um lugar muito triste. Foi muito chocante deixar a minha família, fiquei desesperada. Ali só entravam novos pacientes, ninguém saía”, recorda. 

Segundo ela, o local era um pavilhão com 60 moças, vindas de todas as partes do estado. “Fiquei com outras três pessoas dentro de um quarto. Recebíamos os cuidados das irmãs de caridade e podíamos circular apenas dentro do pavilhão”, conta. 

Após o tratamento, que durou oito anos, ela não viu mais a possibilidade de retornar ao seu lar. "Minha família já estava sendo discriminada pelos vizinhos e parentes, que souberam da minha situação. Se eu voltasse para a minha cidade, ficaria mais isolada e iria prejudicá-los ainda mais. Além disso, eu não podia estudar nem trabalhar, pois meu nome já constava na Secretaria de Saúde. Então, resolvi ficar, e meus pais e irmãos vinham me visitar uma ou duas vezes por ano, escondidos”. 

Hoje, Eva vive com outras duas famílias no mesmo terreno, que pertence à CSSI. “Muita coisa já melhorou. Graças ao Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníse (Morhan), consegui concluir meus estudos alguns anos após terminar meu tratamento e hoje posso dizer que a discriminação está cerca de 60% menor”. 

Longa história

santa izabel antiga 4Elias Aparecido da Silva é técnico de enfermagem da Fhemig há 26 anos e tem uma longa história profissional e pessoal relacionada à CSSI.  “Minha relação com a unidade começou em 1976, quando me mudei, com a minha família, para o bairro Citrolândia (onde está localizada a casa de saúde, em Betim), para ficarmos próximos de um primo que tinha hanseníase e morava na colônia. Na época, eu tinha 9 anos e a colônia era fechada, criança não podia entrar, apenas adultos. Aos 10 anos, consegui licença para trabalhar lá, realizando a limpeza de jardins e quintais. Finalmente, em 1994, me tornei servidor da Fhemig e iniciei meu trabalho na unidade como técnico de enfermagem. Durante todos esses anos,  tive, então, o privilégio de conviver com muitos pacientes que já se foram e alguns poucos que ainda estão entre nós”, conta ele, que guarda com carinho as muitas lembranças dessas quase três décadas de serviço prestado. “Nesses anos de convivência, uma das coisas mais marcantes eram as festas que tinham na comunidade, desde os festivais promovidos pelos clubes de futebol até as festas religiosas. Isso aliviava um pouco o sofrimento dos internos da colônia. Me sinto muito feliz por ter contribuído um pouco para o bem-estar dos pacientes”.

União 

Marco Antônio Coutinho da Mata é técnico administrativo e trabalha na unidade há 36 anos. “Destaco, nesses anos de trabalho na CSSI, a solidariedade e a união desta comunidade nos períodos em que ocorreram as enchentes. Moradores, servidores, comerciantes, escolas e associações não mediram esforços para socorrer e acolher os pacientes que residiam nas áreas com risco de alagamento, o que evitou que tivéssemos vítimas. Sinto grande satisfação e orgulho por trabalhar aqui e ter podido ajudar em situações como essas, no passado. Parabéns à CSSI e obrigado por me deixar fazer parte dessa história”. 

Pacientes 

A enfermeira Andréa Miranda Ramalho Marques está na CSSI há 17 anos e foi, durante muito tempo, referência no pavilhão masculino. Ela lembra, com carinho, as peculiaridades de cada um dos pacientes com quem conviveu. “Na hora do banho, sempre tinha um morador que ligava o som bem alto, o que tornava o trabalho mais agradável e divertido. Tinham aqueles que eram mais engraçados, que ‘pegavam no pé’ dos funcionários com brincadeiras, aqueles que nos faziam chorar contando suas histórias de vida, os que viviam brigando, mas não conseguiam ficar longe um do outro, os que competiam para ver quem colocava o som mais alto, entre outros. Recebemos muito carinho de todos. O trabalho sempre foi muito, mas fazíamos, e fazemos até hoje, com muito amor e dedicação”, conta. santa izabel antiga 3

Amizade

O médico regulador Shigeru Ricardo Sekiya está na Casa de Saúde Santa Izabel desde 2003 e já atuou como diretor, plantonista e coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa (NEP). Ele destaca alguns momentos marcantes que viveu na casa de saúde.  

“Um dos maiores momentos de alegria que tivemos nesses últimos 20 anos foi a reforma da Unidade Gustavo Capanema, em 2005, que transformou o pavilhão aberto, sem privacidade, em enfermarias de dois ou três leitos, proporcionando muito mais conforto para os pacientes. Outros momentos importantes foram as conquistas dos prêmios nacionais David Capistrano e Sérgio Arouca, em que tivemos nosso trabalho reconhecido pelo Ministério da Saúde. Um fato inédito no Brasil, por se tratar de uma ex-colônia de hanseníase”, ressalta Shigeru. 

Mas, para ele, a experiência e os bons momentos vão além da vida profissional. “Esse tempo todo foi muito importante para o meu aprendizado não só profissional mas também humano. Aqui, a nossa relação com o hospital vai muito além da área profissional, é de amizade e confiança com os pacientes e colegas de trabalho. Os pacientes se tornam amigos e demonstram gratidão por receberem o melhor tratamento. Tudo isso é um incentivo para continuarmos trabalhando e cuidando dos pacientes da Casa de Saúde Santa Izabel”, afirma. IMG 1633

Conquista

No dia 5 deste mês, 146 famílias que vivem na área da Casa de Saúde Santa Izabel receberam os registros imobiliários das suas residências, após processo iniciado em 2017. Ao todo, foram doados 3,4 milhões de metros quadrados aos ex-internos da então Colônia Santa Izabel. Um fato inédito, já que Minas Gerais foi o primeiro estado a entregar títulos de propriedade de imóveis a ex-internos de colônias de hanseníase.

Por Aline Castro Alves