29/10/2019

Em sua 3ª edição, Semana de Arte do Hospital Galba Velloso se consolida como recurso terapêutico

Semana de Arte reafirma papel de Minas Gerais como uma das redes de atenção psicossocial mais organizadas do país

“Essa semana de arte alegrou meus pensamentos. Tudo de ruim vai embora”. A frase dita por um paciente durante a 3ª Semana de Arte do Hospital Galba Velloso (HGV) deixa claro a importância do projeto criado, há três anos, pela unidade de saúde mental da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), num contexto em que Belo Horizonte é reconhecida nacionalmente como referência em saúde mental e o Estado se destaca como uma das redes de atenção psicossocial mais organizadas do país.

Realizada desde 2017, sempre no mês de outubro, a Semana de Arte do HGV muda substancialmente a rotina do hospital para levar os pacientes a uma imersão no universo das artes. São desenvolvidas ações diversificadas que promovem a participação ativa dos usuários do serviço.

A primeira edição da Semana de Arte, denominada “Sentimento do Mundo”, trabalhou a obra do escritor itabirano Carlos Drummond de Andrade. Em 2018, foi a vez de “Todos os Sentimentos do Mundo”, que trouxe a produção literária e poética do português Fernando Pessoa. Neste ano, intitulada “A Casa da Poesia”, teve como foco a obra da escritora mineira Adélia Prado e foi realizada do dia 21 a 25 deste mês.

Redes colaborativas

As atividades, promovidas por artistas e grupos voluntários, por meio de redes colaborativas, vão da música à literatura, com a poesia ocupando um papel de destaque, e passam pelas artes plásticas, fotografia, artesanato, entre outras formas de expressão. O projeto tem como base a política de humanização em saúde mental e as práticas de intervenções artísticas adotadas pelo hospital desde 2015. Toda a programação é gratuita e aberta à participação do público.

A Semana de Arte eleva a outro patamar as interações entre pacientes, profissionais do hospital, artistas voluntários e visitantes (cujo número cresce a cada ano), com resultados evidentes no quadro clínico de muitos pacientes, ao possibilitar um relacionamento efetivo entre as pessoas em tratamento na unidade de saúde mental e a comunidade externa, e, com isso, contribuir, de fato, para a desconstrução dos estereótipos em torno da loucura.

Interação com o diferente

Desde a primeira edição da Semana de Arte, estudantes do Instituto Casa Viva, instituição privada de ensino, localizada no bairro Cidade Jardim, visitam o HGV. A escola aborda, em sala de aula, a temática da luta antimanicomial e traz seus alunos para participarem do projeto e interagirem com os pacientes. Segundo a diretora do Hospital Galba Velloso, a psiquiatra Luzmarina Morelo, “a interação dos estudantes com os pacientes é intensa. Os adolescentes conversam com eles, cantam. Cada vez que os estudantes vêm é uma experiência diferente. Essa aproximação ajuda a desconstruir os estereótipos e a reduzir o preconceito”, destaca a diretora.

Além dos estudantes, nos dois últimos anos, foram presenças constantes equipes de profissionais do Centro de Atenção Psicossocial (CAPES) de Lagoa Santa e, este ano, equipes do CAPES de Santa Luzia estiveram presentes. Também é comum a visita de servidores da Fundação Ezequiel Dias (Funed), instituição localizada ao lado do HGV, bem como de familiares e amigos dos artistas que participam da Semana de Arte.

“O portador de sofrimento mental ainda é visto como alguém que não dá conta de fazer alguma coisa, não dá conta de lidar com alguma coisa. Quando propomos estarmos juntos de outra maneira, é para mostrarmos que somos todos humanos, que temos fragilidades e que precisamos lidar com essas fragilidades, com os sentimentos e com as emoções”, sublinha Luzmarina.

Um pouco de loucura

Luzmarina ressalta que, com o início da Semana de Arte, é notório o apaziguamento interior experimentado pelos pacientes. Segundo ela, à medida que as apresentações e as oficinas se desenrolam, eles mudam de comportamento rapidamente. “Ficam mais amorosos, mais cuidadosos uns com os outros”, observa a diretora, que pretende escrever artigo científico sobre a experiência das Semanas de Arte no hospital.

“Como ser humano, temos que estar abertos às diferenças. Não querer consertá-las. Essas experiências enriquecem nosso trabalho como profissionais da saúde mental. O discurso poético reveste a realidade com a beleza da vida”, afirma a Luzmarina, em consonância com o pensamento da psiquiatra alagoana Nise da Silveira, que acreditava que não se deve curar além da conta e que todo mundo tem um pouco de loucura. Nise revolucionou o tratamento da loucura no Brasil e foi responsável pela introdução do uso da arte para tratar pacientes psiquiátricos.

Experiência compartilhada

Vários outros pacientes também se expressaram em relação à experiência da Semana de Arte. Seus depoimentos revelam a profundida do envolvimento e a importância do projeto para essas pessoas. Um deles, após ouvir a apresentação do grupo “A QuarTETA” (grupo musical feminino especializado em tocar Chorinho), disse à diretora Luzmarina: “o nome dessa música é chorinho? Não sabia. Limpou a dor aqui dentro. Agora é leve”. Everton, outro usuário do serviço, que participou da pintura coletiva de um mural, conta que estava “sem palavras para dizer. É tipo indefinível”, completa com entusiasmo.

Transformação

Para a psicóloga e gerente assistencial do HGV, Cláudia Apgaua, durante a Semana de Arte, vive-se uma transformação. “Espaços são usados de outra maneira e a gente interage de outro modo. Temos a sensação que ocorre uma revolução”, sublinha a gerente assistencial para destacar que a Semana de Arte promove um transbordamento do afeto. “O momento da semana com os pacientes, os artistas e os visitantes é um privilégio. Todos que estão aqui melhoram, nos tornamos mais espontâneos, adquirimos mais liberdade. Tem o antes, o durante e o que fica da Semana de Arte”, sintetiza Cláudia.

Voluntários

O artista plástico, muralista e grafiteiro, Gabriel Dias, já é veterano nas semanas de arte do HGV. Ele participou da pintura dos murais do pátio em 2017 e do setor de Urgência em 2018. Nesta 3ª edição, Gabriel trouxe a proposta de mediar a produção coletiva de um mural no espaço Galbarte (local destinado às atividades terapêuticas com suporte na expressão artística). A ideia agradou a vários pacientes que se dispuseram a transpor para o mural partes de suas histórias de vida.
“Estar aqui me sensibiliza, me faz tentar entender mais a mente humana. Os pacientes têm uma reação muito espontânea. As pessoas, em geral, estão muito duras. Quando faço meus grafites nas ruas, muitas passam por eles indiferentes. Aqui, há uma interação muito grande, eles se interessam pelo que está sendo realizado”, reflete Gabriel.

Com suas oficinas de percussão, o músico, ator e educador, Carlos de Souza, é presença constante nas Semanas de Arte do Galba Velloso. “A Semana de Arte tira a gente do lugar comum. A gente quase não usa palavras, é tudo olho no olho. A arte desconstrói barreiras, estar junto com eles é uma delícia”, revela o músico.

Como se fosse Carnaval

A assistente social e servidora do HGV, Thalita Lisbôa, trabalha no hospital há quase cinco anos. Ela conta que a Semana de Arte é esperada por todos: pacientes, profissionais do hospital e artistas voluntários. “A atmosfera do hospital muda completamente. Há uma aproximação entre nós”. Thalita brinca que, nos últimos anos, todos os envolvidos na produção da Semana de Arte têm se comportado, em relação às edições futuras do projeto, como os carnavalescos das escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo. “Nem acabou a terceira Semana de Arte e já estamos pensando na quarta”, revela a assistente social.

Perfil assistencial

O Hospital Galba Velloso é uma das unidades de saúde mental da Rede Fhemig. O hospital acolhe e trata pessoas em crise, até sua estabilização psíquica, e também articula a continuidade do tratamento na Rede de Atenção à Saúde Mental do município, da região metropolitana e de outras cidades mineiras, com o objetivo de possibilitar o restabelecimento dos laços sociais. O HGV realiza ainda atendimento psiquiátrico de urgência (dia e noite) e internações.

Por Alexandra Marques