29/06/2023

Ex-paciente do Centro de Queimados, hoje influencer: jovem mostra como deu a volta por cima após acidente

Malu Fortes sofreu graves queimaduras e guarda o carinho que recebeu da equipe do Hospital João XXIII; hoje, usa as redes sociais para levar otimismo e superação

Em 12 de junho de 2021, a vida de Maria Luiza Fortes, 23 anos, deu uma reviravolta: a jovem estudante de engenharia metalúrgica, que vivia um momento feliz e estável, sofreu um acidente de motocicleta com o namorado  e  teve graves queimaduras. O episódio apresentou para a Malu novas amizades, novos propósitos, e uma forma diferente de enxergar a vida. Mas até isso acontecer, foram momentos de tristeza, dores e luta por sua sobrevivência. 

O acidente

Naquela tarde de sábado, o casal Malu e Vinícius não pretendia comemorar o dia de namorados, mas o jovem de 22 anos guardava uma surpresa para a amada. Antes, porém, foram juntos realizar uma entrega da loja de peças íntimas recém-criada por Malu na rede social Instagram, solução que ela encontrou durante a pandemia para ganhar uma renda extra. A lingerie nunca foi entregue e Vinícius não pôde surpreender Malu. A moto em que estavam pegou fogo no meio do caminho, fazendo com que o piloto se assustasse e batesse no carro da frente. 

Malu teve 23% do corpo queimado no acidente, principalmente as pernas e o braço direito, além de graves fraturas expostas. Mas o caso de Vinicius era ainda mais grave: “Quando acordei do impacto e procurei por ele, o vi do outro lado da rua, em chamas”, revela. Apesar de ainda ter lembranças confusas do momento da tragédia, Malu se recorda bem do socorro prestado aos dois jovens. “Lembro-me que quando dávamos entrada no Hospital João XXIII (HJXXIII/ Rede Fhemig), percebi que ele estava ao meu lado, mesmo sem conseguir olhar para o lado, por causa dos cobertores de alumínio que usávamos. Chamei ele, que me respondeu com muito sofrimento. Eu disse a ele que ficaríamos bem, mas não tive resposta. Disse que o amava, e ele falou o mesmo. Depois que ele entrou, ainda conseguia ouvir os gritos dele de dor”, relata Malu. Esta foi a última conversa dos dois. 

Período de internação

Malu permaneceu exatamente 1 mês e 27 dias internada no Hospital João XXIII - dentre eles, três dias no Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Apesar de guardar na memória um início confuso e difícil, de intensa dor, ela se lembra também do carinho e empatia recebidos pela equipe multidisciplinar do Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) da unidade. “A primeira coisa que eu pedi quando cheguei lá foi que lavassem o meu cabelo e eles me deram um banho com o maior cuidado. Aos poucos, as técnicas de enfermagem viraram minha família. Elas sentiam a minha dor”, conta a universitária. Até nos momentos de desânimo, em que Malu e sua mãe Elisete não viam no horizonte uma data para sua possível alta, a equipe do CTQ estava ali para confortá-la e levantar seu astral. “Eles contavam piadas, traziam pipoca para mim”, lembra-se. 

A psicóloga Raquel Minini, que atendeu Malu durante seu período de internação, também é lembrada com ternura pela ex-paciente. “Foi ela quem me levou para ver o Vinícius quando soube que ele ia falecer e proporcionou essa despedida, o que foi muito importante para mim”, revela. Antes da alta, os profissionais do HJXXIII prepararam a mãe de Malu, ensinando os cuidados que ela deveria ter com a filha, já que a partir daquele momento ela seria a responsável por isso. “Mesmo depois que saí do hospital, a equipe manteve o suporte, respondendo às dúvidas da minha mãe, e ainda havia o acompanhamento do laboratório”, explica Malu.

Acompanhamento do paciente queimado

Uma queimadura pode gerar uma ruptura na vida das pessoas e de suas famílias, traduzida em um antes e um depois desse evento. Além disso, cada paciente é único, o que gera uma necessidade de um tratamento individualizado e direcionado para suas necessidades. Por isso, a atuação da equipe multidisciplinar é tão importante. “Não tem como tratar um paciente com queimaduras sem considerar todas as suas particularidades. Cada profissional tem um papel fundamental no processo”, esclarece a médica do CTQ, Kelly Araújo.

De acordo com a psicóloga Raquel Minini, é primordial escutar o paciente, acolher sua dor, ouvir sua história de vida e buscar viabilizar que ele assuma uma postura ativa frente a seu tratamento, para que ele não esteja tão vulnerável na condição de hospitalizado. “O paciente vivencia uma interrupção brusca em sua rotina, em seus planos, o afastamento de sua família e de pessoas afetivamente importantes em razão da hospitalização, a perda da condição de saúde e alterações em sua imagem corporal. O tratamento é doloroso e de longo prazo, o que pode trazer incertezas com relação ao futuro e fazer surgir inúmeras questões para o sujeito”, avalia a profissional. 

Nasce uma Influencer

Depois do acidente, Malu decidiu desativar seu perfil pessoal no Instagram. “Não fazia mais sentido para mim usar uma rede social de fotografias, com um corpo que eu não queria mostrar. Não queria nem receber visitas, para que ninguém me visse assim”, revela a jovem. Essa forma de pensar começou a mudar em uma visita à sua fisioterapeuta, que mostrou a ela alguns perfis nas redes de pessoas que encaravam com positividade suas queimaduras. “Quando cheguei em casa, pensei: estou viva. Não preciso ficar me escondendo”, conta ela. 

Malu reativou sua conta, mostrando sua rotina e tratamento, sempre acompanhada de sua psicóloga. “A partir do momento em que comecei a mostrar minhas cicatrizes, passei a ver beleza nelas”, relata.  Com a recuperação de sua autoestima e em um processo de aceitação de suas marcas, ela transportou sua nova fase para as mídias sociais. “Sempre penso no Vinícius, que queria tanto viver. Tantas pessoas morrem em decorrência de queimaduras, e eu tive uma segunda chance, que quero aproveitar. Por isso quero mostrar que a gente é bonito, feliz e leva uma vida normal”, diz. 

O perfil de Malu no Instagram começou a crescer cada vez mais, e ela passou a se conectar com pessoas de todo o país, que a procuravam para uma conversa, um amparo ou algumas palavras de esperança. “Com a projeção que ganhei com as redes sociais, pude também realizar ‘vaquinhas’ para comprar malhas para pacientes de outros estados, já que o CTQ do HJXXIII é o único do Brasil a oferecê-las gratuitamente”, relata Malu. Falando de sua experiência para cada vez mais pessoas, a universitária passou também a ser convidada para palestras em eventos do CTQ e, em 2023, participa de algumas ações da Campanha de Luta contra Queimaduras. 

Recomeço

Raquel Minini lembra da importância de considerar a individualidade de cada paciente em seu tratamento, o que irá influenciar em sua evolução. “Cada paciente, cada família tem uma história de vida, cada sujeito é único e singular. Assim, existem diversas variáveis que podem influenciar na recuperação psíquica do paciente queimado. No caso da Maria Luiza, acredito que a presença, o carinho da família dela e o seu próprio desejo de se recuperar tiveram peso importante na sua evolução”, esclarece a psicóloga. 

Para as pessoas que sofreram queimaduras e passam por um momento difícil, Malu manda um recado de esperança. “Sei que é doloroso e que as sequelas vão além das cicatrizes que ficaram. Mas vai passar. Eu também achei que não iria usar as roupas que gosto novamente, mas hoje me olho no espelho e me sinto bonita. Sei que meu corpo passou por algo grande, que ele lutou muito para me manter viva e sou muito grata por isso”, finaliza a jovem, emocionada, mas com um sorriso de quem tem uma vida inteira pela frente. 

 

Por Anni Sieglitz
Fotos: arquivo pessoal