06/07/2023

Hospital Alberto Cavalcanti é o primeiro de Minas a adotar projeto de navegação de pacientes com câncer

Apoiado por assistentes satélites, enfermeiro oferece atendimento personalizado a mais de 200 pessoas durante todo o tratamento; unidade em BH é referência estadual em oncologia

O Hospital Alberto Cavalcanti (HAC), do Complexo de Especialidades da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) e referência estadual em oncologia, adota, de forma pioneira, a metodologia do enfermeiro navegador em Minas. Ao mesmo tempo, inova a prática da navegação ao criar a função do enfermeiro navegador satélite, espécie de assistente do navegador principal, responsável por acompanhar os casos de câncer que iniciam tratamento na unidade.

Desde abril deste ano, o navegador principal, apoiado pelos satélites, auxilia individualmente mais de 200 pessoas com alta suspeita ou diagnóstico de câncer para ajudá-las a superar desafios psicológicos, sociais, financeiros, administrativos e outros que possam atrasar, dificultar ou impedir sua adesão ou permanência no tratamento.

O navegador satélite foi desenvolvido pelo HAC para que enfermeiros navegadores secundários levem informações detalhadas ao navegador principal sobre a passagem dos pacientes por suas respectivas áreas de atuação, uma vez que a navegação na unidade se estende a todos os casos de câncer e não apenas aos prevalentes ou graves, o que representa um aumento considerável do número de pessoas atendidas pelo navegador principal.

Constelação de ajuda

Na prática, o enfermeiro navegador é o profissional da saúde que atua como um assistente do paciente e de seus familiares para remover barreiras de diversos tipos que podem surgir ao longo do tratamento, de modo que todas as etapas sejam cumpridas no tempo previsto e sem atrasos. Navegar o paciente significa acompanhar a sua trajetória de forma estruturada e em diálogo permanente com as equipes assistenciais e administrativas que o atendem, a fim de coordenar todas as etapas com a agilidade e a humanização necessárias.

Atualmente, o hospital conta com um navegador principal, a enfermeira Núbia Ávila, responsável pela implantação do projeto, e oito satélites distribuídos pelos setores de Apoio Diagnóstico, Bloco Cirúrgico, Ambulatório de Especialidades, Ambulatório de Oncologia, Unidade de Internação, Autorização de Procedimentos, Equipe Multidisciplinar e Unidade de Quimioterapia.

O navegador principal atende diariamente os pacientes admitidos no ambulatório do hospital. Aqueles com critérios de admissão para a navegação passam por mais dois ciclos a cada 30 dias para alinhamento da assistência. O serviço conta também com o atendimento por demanda espontânea de pacientes com necessidade de acolhimento ou auxílio durante o tratamento.

Resultados visíveis

Os oito satélites acompanham os processos de acordo com o fluxo e a demanda, numa periodicidade de sete a 15 dias, com foco no processo específico da sua área, de modo a refinar e a subsidiar o trabalho desenvolvido por Núbia.

Como aponta a enfermeira, 66% dos pacientes que entraram no segundo ciclo de atenção – 30 dias após o primeiro contato – necessitaram da intervenção do navegador para a recondução do tratamento (quando o paciente perde o fluxo do tratamento, isto é, não realiza os exames solicitados) ou a revisão do prazo (a consulta é adiantada em razão do avanço nas etapas previstas). Ela ressalta também que, nesse ciclo, é verificado se o prazo de 60 dias para o início do tratamento foi cumprido, qual tipo de tratamento foi iniciado e se os navegadores satélites estão atentos à trajetória dos pacientes navegados.

O oncologista e coordenador médico da Oncologia Clínica do HAC, Marcos André, ressalta que a navegação já apresenta “resultados visíveis no nosso dia a dia, por meio da melhor integração dos pacientes com os processos administrativos e assistenciais da instituição, ajudando a transpor possíveis barreiras, sejam administrativas, sociais ou psicológicas”.

Surpresa positiva

Os pacientes têm uma surpresa positiva com a abordagem da navegação. “É comum, eles afirmarem que nunca foram a um hospital com tanta gente gentil”, conta Núbia. “Ouço os relatos sobre como eles estão elaborando a doença e busco identificar quem é o seu apoio familiar, num processo contínuo de imersão na realidade deles”, frisa.

Esse foi o caso do trabalhador rural, Almino Costa de Paula, 63 anos. Casado e pai de três filhos, ele vive na comunidade de Córrego Piaus, na cidade mineira de Coluna, localizada a 357 km de Belo Horizonte. Para chegar ao HAC, ele precisa viajar por quase seis horas.

Almino iniciou seu tratamento em 1/6, ao lado da filha Rosileide. “Quando disseram que eu teria um acompanhamento individual com a enfermeira Núbia fiquei surpreso. Ela me auxilia desde a primeira consulta. Depois que conversamos, fiquei mais tranquilo e tudo ficou mais fácil. Todos no hospital me tratam com respeito e dão o suporte necessário. Quem está passando por um momento difícil como esse se sente acolhido. Minha filha também gostou muito da atenção dada pelo hospital".

O aposentado divorciado Célio de Oliveira Coelho, 71 anos, vivenciou algo parecido. Morador da cidade de Piranga, ele precisa percorrer os 169 km que o separam de Belo Horizonte para realizar seu tratamento na unidade.

Célio chegou ao HAC em 16/6, acompanhado por um de seus dois filhos, devido à suspeita de câncer. “Quando cheguei para a primeira consulta, fui orientado a procurar um setor chamado Navegador após passar pelo médico. O trabalho é excelente e me ajudou a entender os processos do hospital, quem procurar, como organizar a papelada etc. A Núbia consegue entender a minha situação e faz com que tudo aconteça da melhor forma possível. Todo o processo fica mais claro porque sei onde ir e quem procurar. Também facilita os agendamentos das consultas e exames”, reconhece o aposentado.

Célio argumenta ainda que o atendimento é fundamental quando se aborda o câncer, que é uma doença agressiva e requer rapidez na abordagem para o sucesso do tratamento. “No Alberto Cavalcanti, a gente sente que está recebendo o tratamento correto no tempo adequado. Todos são sempre muito atenciosos e cordiais, sinto que eles entendem o momento difícil que enfrentamos e que estão ali para nos ajudar a passar por tudo isso”, reconhece.

Amplitude

A navegação possui uma amplitude de ação que passa, por exemplo, pelo local de residência do paciente para criar estratégias que potencializem seus deslocamentos – como condensar os exames e demais procedimentos no menor número de dias possível, de modo a facilitar e reduzir as idas ao hospital. Assim como marcar os exames e consultas em dias e horários que melhor atendam à sua rotina.

Ao longo dos três primeiros meses de implantação do projeto, Núbia constatou que cerca de 10% dos pacientes não retornavam ao hospital por motivos que iam do medo a diversas outras razões como a logística para o seu deslocamento (como conseguir transporte, com quem deixar os filhos etc.). “Ter câncer já é um grande problema. O paciente não deve ter outros problemas além do diagnóstico”, reflete a enfermeira.

O enfermeiro satélite e assessor da Gerência Médica Oncológica do HAC, Leandro Tiago Bueno Costa, salienta que a navegação de pacientes permite a ele ampliar seu conhecimento do planejamento assistencial, mapear de forma cronológica a realização dos exames e o plano de cuidado.

Mapa da rotina

Há uma prevalência de pacientes vindos da região metropolitana de Belo Horizonte e de cidades do interior do estado. Esse contingente é composto por pessoas com idades diversas que variam entre 15 e 90 anos.

Núbia os orienta sobre a rotina que irão vivenciar durante o tratamento, indicando o passo a passo a ser seguido para realizar cada procedimento e exame no tempo previsto e com a adoção dos cuidados necessários – daí o termo navegação. Também é informado um número de telefone fixo para que os pacientes possam ligar para ela em caso de necessidade.

Para o agricultor Manoel Eugênio de Almeida, 79 anos, casado, pai de 10 filhos e morador de Couto de Magalhães de Minas, cidade com pouco mais de 4 mil habitantes e distante 333 km da capital do estado, o mapa de sua rotina no hospital foi fundamental.

Diagnosticado em maio, sua primeira consulta aconteceu em 2/6. Manoel veio acompanhado por suas filhas Marcela e Mércia. “Nos sentimos muito bem recebidos. A cortesia e a atenção de todos os atendentes, porteiros e demais funcionários é um destaque no primeiro contato. Foi uma surpresa saber que teria alguém para me acompanhar de perto e me orientar. A enfermeira Núbia explicou como iria me ajudar durante o tratamento. Como o diagnóstico é muito recente, ainda estou processando todas as informações, mas estou confiante e seguro. Eu e minhas filhas sentimos que o tratamento humanizado é uma marca do Alberto Cavalcanti”, pontua Manoel.

Trajetória de muitas etapas

Para entender a importância e o impacto da navegação de pacientes, é necessário compreender que o tratamento oncológico requer a observância rigorosa de uma série de etapas para a cura, ou para a redução da dor de quem apresenta a doença. Nessa trajetória, muitas pessoas deixam de observar orientações aparentemente simples, por razões que ultrapassam a assistência hospitalar e têm impacto direto no tratamento.

O paciente chega ao HAC por meio da regulação do Sistema Único de Saúde (SUS) e é incluído na agenda do navegador. A partir daí, Núbia o acolhe após a primeira consulta médica e explica a dinâmica do auxílio que irá lhe proporcionar. Esse contato inicial, assim como os demais, se dá em um contexto de escuta cuidadosa da pessoa assistida e de seus familiares, para definir as ações que serão adotadas ao longo da trajetória de tratamento daquele paciente.

“O navegador vem na contramão do mais do mesmo. A forma estruturada da navegação nos aponta melhores caminhos. Por mais que o hospital esteja preparado para oferecer um tratamento adequado, com técnicas e equipamentos, é fundamental que o ser humano que chega aqui saiba que têm outros seres humanos cuidando dele”, sustenta Núbia.

Como sublinha a enfermeira, as pessoas ficam abaladas com o diagnóstico do câncer, por isso, é preciso entender o perfil de cada um e adaptar a abordagem. Na navegação não há tempo de atendimento pré-definido. “É investido o tempo necessário para que o paciente possa expor suas angústias e ter um feedback adequado, que o tranquilize e o ajude a compreender a importância da adesão ao tratamento”, relata.

Acompanhar e assistir

No final de maio, a navegação passou a contar com o apoio da equipe de cuidados paliativos do HAC para atender os pacientes com doenças graves que necessitam do controle de sintomas ou que tenham uma proposta de assistência não curativa.

Como salienta a coordenadora da Unidade Oncológica do HAC, Cíntia Esteves Soares, “a navegação é um conjunto de ações que visam eliminar todo tipo de obstáculo que possa impedir a continuidade do tratamento do paciente oncológico. Busca garantir uma assistência adequada e num curto prazo de tempo, já que a rapidez é uma das suas diretrizes de implantação”.

Ainda segundo Cíntia, o cuidado que cada paciente recebe é um misto de acompanhamento e assistência baseados em suas necessidades, com o objetivo de pôr à sua disposição profissionais de várias categorias para conduzir e articular a atenção à saúde em todas as suas etapas.

Para a enfermeira satélite Gisele Oliveira, a metodologia da navegação consiste em uma nova visão sobre o processo de cura do paciente. “O projeto vincula, efetivamente, a enfermeira ao paciente durante toda a sua permanência no serviço, de forma a garantir o passo a passo no tratamento, dando continuidade à assistência prestada”.

Outra característica fundamental da navegação é que a metodologia possibilita ao enfermeiro navegador agir para resolver possíveis falhas de comunicação dentro das equipes assistenciais. Para isso, Núbia estabelece um diálogo contínuo com esses profissionais, de modo que o fluxo não seja quebrado.

Por Alexandra Marques